02/07/2009

RAZÃO E SONHO

Em 1619, numa noite de novembro, Descartes sonhou com um “método universal para encontrar a verdade”. Anotou os sonhos, pesquisou, duvidou, teve certeza e só então lançou sua sentença: Penso, logo existo. Num mundo medieval regido por leis divinas e métodos teológicos, o slogan criado pelo filósofo francês logo se transformaria em marco da era moderna, da era da Razão - assim em maiúsculo.

A estrutura do pensamento ocidental jamais seria a mesma depois do upgrade provocado por Descartes. Mas esse upgrade se deve mais à interpretação que o mundo fez do slogan cartesiano do que da própria vontade do filósofo. Foi desejo da (in)consciência coletiva transformar razão em sinônimo de ciência, certeza, progresso e escrevê-la com R maiúsculo.

Até aqui, essa história é bem conhecida. Mas o que pouco se diz sobre ela é que o método cartesiano nasceu a partir de uma série de três sonhos que Descartes teve naquela noite de novembro. Logo, o ponto principal de uma das obras inaugurais da era da Razão (Discurso sobre o método, 1637), apareceu para seu autor através de um canal da ordem da irracionalidade, do inconsciente coletivo: o sonho.

Por ironia do destino, a Razão moderna deve a Descartes o fato de ele ter literalmente acreditado nos seus sonhos. E pra nossa sorte, quando ele sonhou com as bases do seu método racionalista, o mundo do conhecimento ainda não vivia sob o absolutismo da Razão.

Às vésperas de fecharmos a primeira década do século 21, os sistemas do inconsciente e da consciência ainda são tratados em regime de oposição, como se digladiassem entre si, quando na verdade, são sistemas complementares. Isto Descartes já sabia - e não é à toa que foi grande no que fez.

Um comentário:

ana dumas disse...

Sempre me intrigou o fato do método criado por Descartes chamar-se cartesiano (porque não descartesiano?). Em pleno século XVI, René Descartes ousou escrever na sua língua original, o francês, quando todo o mundo letrado europeu escrevia e lia em latim.

Em compensação, foi a tradução em latim do seu nome - Renatus Cartesius - que originou o nome do seu método.